Géssica Francisca Tarnoski
1 min readApr 25, 2022

Angico

é sábado
as chuvas abrandaram
(após três semanas)

faz sol
os campos de arroz ardem
estão muito dourados

é dia de colheita
época, também,
de mariquitas, azulonas e amarelinhas

una madre espia para além da cerca viva
com um jeito de menina que se vê raramente

a colheitadeira ceifa

a filha pergunta a ela,
à mãe,
“quando pequena,
o que fazia no dia da colheita?”
se a assistia, se era um dia alegre

ela conta
que aos 10
na década de 70
nos dias em que o pai exigia os 9 filhos
às quatro horas da manhã
tinham ela e seus irmãos de
colher as espigas com suas foicinhas
uni-las em grandes buquês
debulhar os grãos
fechar os sacos abarrotados
que de tão cheios
com seus quase cinquenta quilos
ao serem amarrados com o barbante de juta
às vezes escapavam dos pequenos dedos
e Deus, distraído, não via irromper os sulcos de sangue

aos dez anos: uma mãozinha cheia de rasgos

a filha mira as próprias mãos
aos 30
invioladas

“hoje as máquinas fazem tudo sozinhas”
diz a mãe aos 60
sem tirar os olhos do campo

9 de abril de 2022