Felinos

Dia desses perguntei em silêncio se ele me via. Não falo aqui da íris que capta a luz, mas falo, então, de toda a inteireza que cabe ao ver. (se podes olhar, vê. se podes ver, repara. S.). Era tarde da noite. Ele dormia o sono leve de quem depende só de si para sobreviver e eu sonambulava a vigília ilógica da existência. Acontece que ele abriu os olhos felinos devagarinho e ficou me olhando demorado com as pupilas dilatadas por causa da pouca luz. E eu que vivo os meus dilemas, cambaleante entre o amor pelos lábios que se movem e pela resposta que é toda feita no silêncio, senti alguma coisa atravessar o peito. Das coisas mais bonitas que há por aí, pensei: as conversas sem palavras.

3 de julho de 2020